Neste blog pretendo divulgar e discutir assuntos de meu ineteresse: escalada em rocha e em gelo, montanhismo, ecologia, livros ... além de assuntos com os quais trabalho profisisonalmente: método dos elementos finitos, méto dos elementos discretos, análise numérica e lógica fuzzy. Aqui você também pode encontrar textos e material de minhas aulas, alguma coisa sobre o melhor carro do mundo (Toyota Bandeirante) e citações. Ah!, e sobre música e o instrumento que toco (ou tento tocar): viola caipira.

Ou seja, tudo que eu gosto e faço Na ponta dos dedos.

Por que Projeto Peregrinus: em 2001 eu e mais cinco amigos escrevemos um projeto de patrocínio com esse nome, cujo objetivo era subir as mais altas montanhas de cada país sulamericano. O projeto não saiu do papel, mas a escolha do nome, bastante apropriada, foi feita por mim, após abrir aleatoriamente um dicionário Latim-Português. Essa foi a primeira palavra que li: peregrinus: aquele que viaja para outro país. A coincidência foi tão grande que me marcou muito. Como também pretendo falar de minhas viagens resolvi manter esse nome.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Assim na escalada como na vida

Algumas pessoas me perguntam por que eu escalo. Outras, poucas, o que eu mais gosto na escalada. A primeira é difícil de responder, mas a segunda e muito fácil: conquista.

Uma conquista é quando somos os primeiros a subir por uma determinada rota, mesmo que a montanha já tenha sido escalada.

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Putz, que fria. O que que estou fazendo aqui? 

Máquina de furar, marreta e talhadeira, grampos, costuras, muitas fitas, corda de escalada, corda de reboque... apoiado apenas numa perna e em duas minúsculas agarras.

Tudo o que quero é sair dali. De preferência pra cima. Chega a ser contraditório: quanto mais subo, mais perto estou do meu objetivo e mais longe da segurança.

"Tá na boa?" Sim, tô numa boa, parceiro. Numa boa enrrascada.

 Esse ponto de equilíbrio não estável, como na física, é paralisante. Ao mesmo tempo o corpo começa a dar sinais de desgaste. O ácido lático começa a acumular, os músculos tremem. Borboletas voam no estômago. É nauseante de tão forte.

Que adrenalina que nada. É medo mesmo.

Dobre a perna, tome impulso, dê um bote se jogando para o alto e para a direita e pegue aquela agarra com a mão direita. Apoie o pé direito e coloque a mão esquerda junto com a direita. Faça uma barra e coloque o pé ao lado das mãos. Equilíbrio. Suba o corpo com a perna. Posição confortável para bater mais um grampo. E pronto.

Fácil. Todo o lance, a sequência de movimentos, como no xadrez, está claramente em minha mente. Bote, mão direita, mão esquerda, pé direito. Em minha mente fiz e refiz os movimentos várias vezes. Em minha imaginação dá tudo certo.

Mas a chance de cair é grande. Bem maior do que eu gostaria. Se cair tem que jogar o corpo para direita, escapando daquele bico de pedra.

Bosta!

"Se quiser se joga que eu travo"

Ah, claro, uma alternativa é tentar desescalar, provocar uma queda controlada. Como é tentadora a segurança da corda. Tirando o bico de pedra, seria só o susto da queda. Um berro e alguns palavrões, seguido de rapel até a base. Ah, a base. No momento deve ter lá a sombra daquela árvore. E água, muita água. A tranquilidade do mundo horizontal. O problema é olhar para cima, ver o lance não feito, visualizar a linha óbvia da conquista e sentir o gosto amargo e forte da desistência. Aquela vontade de voltar e tentar de novo, mas aí o momento, O momento, terá passado. Depois da desistência nunca sou o mesmo, seria ali um outro Marcello, um que sabe que já não conseguiu, que perdeu o momento. Desistir do prazer da conquista e do cume.

Minha perna treme ainda mais. Estou perdendo a força nos dedos, posso sentir o antebraço endurecendo. Em pouco tempo terei alcançado aquele nível de desgaste do qual não é possível se recuperar. Aí sim, a queda é praticamente certa.

Bote, mão direita, mão esquerda, pé direito.

Sei o que quero fazer.

Bote, mão direita, mão esquerda, pé direito.

Querer. Poder. Dever. Quero subir. Posso subir? Devo subir?

Como seria bom ficar aqui. Pra sempre. Sem ter que enfrentar a dúvida que me atormenta.

Cara, o que me trouxe aqui? Qual decisão tomada na escalada que me fez chegar nessa posição? Sei lá. Na verdade não é uma única decisão que me trouxe aqui. Foram todas, a cada momento e cada movimento. Cada passada que dei me trouxe aqui.

Bote, mão direita, mão esquerda, pé direito.

Agora está doendo. Meu tendão, já castigado pelo tempo e pelo uso, está no limite.

Quero subir. Posso subir? Devo subir.

Bosta! Não quero cair. Não quero desistir.

"Vai na fé"

Dane-se!

Só há um caminho. Para cima. É isso o que quero. Essa vontade vem da mente e do corpo.

Bote, mão direita, mão esquerda, pé direito.

Bote, mão direita, mão esquerda, pé direito.

Tá virando um mantra.

Dane-se!

"Segura na mão de Deus e vai. Domina o lance ae"

Bote, mão direita, mão esquerda, pé direito.

Bote, mão direita, mão esquerda, pé direito.

Bote, mão direita, mão esquerda, pé direito.

Dane-se!

É agora. Ou perderei a chance de vez.

Quero subir. Dane-se se posso subir ou não. É o que eu quero.

Melhor me arrepender por ter tentado do que por ter desistido.

Consequências? Não me importam mais. Melhor enfrentá-las do que perder o momento. Se é que já não o perdi. Mas não importa mais. Não há mais volta.

Bote, mão direita, mão esquerda, pé direito... Agora!

E em seguida, um longo e silencioso instante.

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